Entrevista Bocada

Aliado G fala sobre o III Encontro Nação Hip-Hop

Aliado G, uma das cabeças que estão por trás da organização do III Encontro Nacional da Nação Hip-Hop Brasil, evento que reúne os elementos e a militância do movimento durante os dias 28, 29, 30 e 31 de janeiro, em São Vicente (SP), fala ao CHH. Actitude Maria Marta, da Argentina, Legua York, do Chile, Area 23, da Venezuela, MV Bill, Rappin Hood, Face da Morte, Realidade Cruel, Inquérito, DBS & a Quadrilha, Império ZO, entre outros rappers, estarão no encontro que promove debates, palestras, oficinas e abre espaço para o cinema e literatura.

O que são o Rap e o Hip-Hop Hoje?
Aliado G:
O Hip-Hop hoje é comprovadamente um movimento de caráter universal e reúne o maior número de adeptos do planeta. Caracteriza-se como sociocultural e com recorte etário majoritariamente juvenil. Levando em conta os conceitos geracionais definidos pela sociologia, podemos afirmar estarmos na terceira geração do Hip-Hop no Brasil. Sendo esta uma questão relevante, a sombra da qual devemos refletir. Pois tem impacto determinante sobre nossa organização e o conjunto das manifestações do movimento, que se expressam por meio da música (Rap), dança, vestimenta, literatura e artes plásticas.

Muitos não dão importância para a militância no Hip-Hop. O III Encontro é uma conquista do Hip-Hop social ? Sem a preocupação com políticas públicas, seria possível levar cultura e entretenimento para a maioria, como caso do Encontro de Hip-Hop?
Aliado G:
Sem dúvida, o III Encontro Nacional da Nação Hip-Hop Brasil é uma grande conquista para o conjunto do movimento, não apenas para a Nação. O movimento vive hoje uma grande contradição, alcançamos nosso mais alto patamar do ponto de vista institucional, em contrapartida temos um grande refluxo na produção e difusão cultural. Por exemplo, durante o ano de 2009, não consigo me lembrar de nenhum fato de repercussão Nacional. Como citei anteriormente, o movimento é sociocultural e isso não é privilégio do Hip-Hop.

Toda expressão cultural tem influência na sociedade, porém nós influenciamos no sentido das transformações, por isso conquistamos respeito do conjunto da sociedade. Penso que o encontro é a materialização destas relações, onde teremos debates, palestras, filmes, oficinas, literatura, exposições e shows com presenças que vão desde Ministros de Estado até os manos que moram em palafitas nas margens do rio Amazonas, dos Bboys das tribos indígenas do Acre, até vereadores eleitos pelo Hip-Hop. Destaco ainda as participações internacionais com membros da Argentina, Chile, Venezuela, Canadá, EUA, Inglaterra, França e Alemanha. Tenho certeza que este grande caldeirão Cultural que será o encontro resultará numa grande retomada do movimento, em outro nível. Tudo isso, na praia e com entrada franca. Será possível por conta das relações institucionais que a Nação Hip-Hop Brasil acumulou ao longo de seus cinco anos de militância.

Qual a expectativa para esse Encontro? As cenas política e cultural atuais proporcionam um novo olhar para as questões sociais e estéticas?
Aliado G:
O Brasil é um país jovem do ponto de vista histórico, acabamos de completar 500 anos. A China, por exemplo, conta histórias milenares, assim como a Europa e a África. Nós surpreendemos o mundo elegendo um operário, retirante nordestino como nosso Presidente da República. Desde então, vivemos um novo ambiente no Brasil e no mundo, a chamada crise econômica mundial é um marco na confirmação de uma nova configuração internacional, onde o Brasil sai da condição de vira-latas e passa a jogar um grande papel. Nenhuma decisão que tenha impacto no planeta é tomada sem levar em conta a opinião brasileira.

Devemos ocupar o quinto lugar como maior economia em breve. Milhões de pessoas ascenderam socialmente, muitos empregos gerados, somando isso, a questão geracional, a qual me referi anteriormente, podemos esperar muito deste encontro, que tem muito a contribuir desde seu tema “Um Mergulho na História”, que pretende desmistificar a imagem de que as coisas são assim mesmo,é o destino, é da vontade de Deus. Compreendendo que tudo que vivemos hoje é fruto de uma construção histórica e, nos apropriando disso, podemos escrever uma nova história. No passado, a juventude pintou a cara para mudar o Brasil, nós vamos é pintar o Brasil com a nossa cara , preta, parda, mestiça.

Você acha que novas abordagem e novos debates podem resgatar a essência do movimento?
Aliado G:
O encontro tem essa proposta.

O Rap brasileiro precisa se aproximar dos outros elementos do Hip-Hop para fortalecer a cultura de rua em todos os seus aspectos?
Aliado G:
Com certeza, penso que o elemento mercado é determinante neste processo de distanciamento. Muitos enxergaram no Rap uma opção para responder a cobrança da sociedade. O que muitos não conseguiram compreender é que existe uma diferença fundamental entre talento e sucesso. Talento todos tem para alguma coisa, agora sucesso é propriedade do mercado e é ele quem escolhe seus abençoados. Quase todo brasileiro tem seu time de futebol, mesmo jogando bola ele paga ingresso para ver seu time, no Rap não. A maioria entende que seu trabalho é o melhor. Os produtores e profissionais não entraram no Hip-Hop, então os manos da quebrada se tornaram produtores, na maioria dos casos, em função de sua inexperiência e baixa condição estrutural, trabalha com o pior espaço, sem higiene, segurança, divulga na comunitária da quebrada e imagina que todo mundo ta sabendo. Tem que abrir espaço para todos os grupos que ele conhece, acabando com a festa e criando um espaço de show, onde grupos cantam para grupos, masculinizando o movimento.

Aqueles que não são de grupo ficam deslocados. Acabam procurando alternativas para se divertir no fim-de-semana. Tudo isso (e muito mais que eu poderia dizer) é parte da confusão que nos trouxe até aqui. Precisamos devolver a alegria ao Hip-Hop, o pertencimento, a festa, a celebração. A aproximação entre os elementos é condição básica para isso. Precisamos combater a visão pós-modernista que tenta nos dividir a partir de nossa diversidade, os caras do bairro A, não colam com o B. O ser humano é único, portanto, é diferente por natureza, temos que construir a partir de nossas semelhanças. Somos todos filhos da classe trabalhadora, formada à base de um povo negro escravizado que habitou nas lavouras e hoje está nas periferias e favelas deste país.

Um comentário:

  1. Entrevista reproduzida no meu blog: www.ramonjrfonseca.blogspot.com.

    Gostaria de uma exclusiva com o Aliado, pra onde envio as perguntas?

    Saudações Socialistas,

    Ramon Fonseca
    ramonimj@yahoo.com.br

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